Além de um tratamento bem-sucedido, o paciente com câncer de cabeça e pescoço precisa de qualidade de vida. Após passar por uma cirurgia para remoção do tumor na boca ou na garganta, por exemplo, funções como a fala e a alimentação podem ser prejudicadas. E para que o paciente oncológico possa se reabilitar, voltar a se comunicar e fazer suas refeições sem dores ou limitações, a fonoaudiologia é extremamente necessária.
Para entender como é a atuação do profissional dessa área, conversamos com a fonoaudióloga Dra. Elisabete Carrara de Angelis, head de fonoaudiologia no A.C.Camargo Cancer Center. A especialista conta sobre a importância cada vez maior da voz na sociedade. “Uma boa comunicação é extremamente importante nas relações sociais. Comunicação é tornar comum, compartilhar pensamentos, sentimentos e emoções”, destaca Dra. Elisabete.
A deglutição, que é o processo de engolir alimentos, também deve ser preservada ou reabilitada. “Deglutição permite uma alimentação adequada. Não só do ponto de vista nutricional e de segurança (pois o alimento não pode entrar no pulmão), mas como uma fonte de prazer, importantíssima na vida social”, reforça a profissional. “Sempre nos reunimos atrás de um almoço, de um café ou um chá. Portanto, essas alterações podem impactar na qualidade de vida”.
Confira nosso bate-papo completo com a Dra. Elisabete Carrara:
Clínica Kowalski: Qual a importância do fonoaudiólogo no tratamento do paciente com câncer de cabeça e pescoço?
Elisabete Carrara de Angelis: Para entender a importância do fonoaudiólogo, devemos entender primeiro que grande parte dos órgãos que compõem a região da cabeça e pescoço está envolvida nos processos de fonação (produção de voz), dicção (articulação dos sons) e deglutição, que é o ato ligado à alimentação.
Dependendo do tratamento do câncer de cabeça e pescoço, tanto radioterápico quanto cirúrgico, o paciente pode ter dificuldades temporárias ou permanentes nessas três áreas, como por exemplo: dificuldades para se alimentar, engasgos, demorar muito para comer ou ter a sensação de alimento parado na boca e garganta ou perda parcial ou completa da voz.
A importância da fonoaudiologia é atuar, junto a uma equipe de cirurgia de cabeça e pescoço, na reabilitação dessas funções. O médico busca curar o paciente e idealmente o fonoaudiólogo contribui para deixá-lo com a melhor qualidade de vida possível. Por isso é tão necessária a atuação de uma equipe multidisciplinar no atendimento de um paciente em tratamento de câncer de cabeça e pescoço. Obviamente, a cura é o objetivo número 1, mas trazer mais qualidade de vida também é fundamental.
Como é a atuação do fonoaudiólogo no tratamento do paciente com câncer de cabeça e pescoço?
Elisabete Carrara de Angelis: A atuação do fonoaudiólogo vai desde a orientação do período pré-tratamento, como um pré-operatório, até depois que os procedimentos como cirurgia e radioterapia forem feitos. É o fonoaudiólogo que avalia as principais dificuldades do paciente no campo da voz, fala ou deglutição. E é ele o profissional que atuará na reabilitação propriamente dita.
O grande princípio da reabilitação é maximizar as funções das estruturas da região de cabeça e pescoço, visando a melhor função possível de voz, fala e deglutição. Por exemplo, se foi um tratamento cirúrgico, trabalhar com as partes remanescentes; se foi ressecção de uma parte da língua, é fazer com que o restante da língua tenha uma atividade máxima. Um caso extremo é o câncer de laringe avançado, no qual o paciente retira a laringe inteira e perde a voz. Nesse caso, o fonoaudiólogo vai tentar ativar outras estruturas, por exemplo, desenvolvendo uma voz esofágica que é produzida com o esôfago [a forma tradicional é produzida pelas cordas vocais, localizadas na laringe].
Quais os métodos de reabilitação que podem ser feitos para o paciente com câncer de cabeça e pescoço? E como são feitos?
Elisabete Carrara de Angelis: Hoje em dia a fonoaudiologia já avançou muito na área de cirurgia de cabeça e pescoço. São várias as abordagens que temos, desde as mais tradicionais, nas quais realizamos exercícios como se fossem uma fisioterapia, maximizando o tônus, a mobilidade das estruturas da região da cabeça e pescoço envolvidas com a comunicação e a deglutição – chamamos esses procedimentos de exercícios indiretos.
É possível também utilizar técnicas e métodos que desenvolvem a fala e a alimentação. Um exemplo é um treinamento no qual avaliamos qual consistência do alimento que o paciente come melhor. Assim vamos progredindo em sua alimentação. Se ele usa uma sonda, fazemos o acompanhamento até que ele retire esse aparelho. No caso extremo de uma laringectomia total, existem métodos para desenvolver a voz esofágica. Ou por meio de uma prótese colocada cirurgicamente ou por um vibrador de laringe para reabilitar a comunicação.
Há técnicas mais recentes, como a estimulação elétrica para maior ativação neuromuscular das estruturas. Outra, ainda em fase de estudos, é a estimulação transcraniana, no qual estímulos são colocados no crânio para ativar mais rapidamente essas funções.
Por quanto tempo é indicado esse trabalho de reabilitação? Existe alguma etapa que deverá ser feita pelo resto da vida?
Elisabete Carrara de Angelis: Normalmente o trabalho de reabilitação gira em torno de 2 a 3 meses. Alguns casos levam um pouco de tempo a mais - depende da gravidade da situação. A frequência pode ser de uma ou duas vezes por semana e, em casos muito graves, se considera até a terapia diária.
Apenas os pacientes que fizeram o tratamento com a radioterapia (associada ou não à cirurgia) ou os mais idosos devem manter exercícios ao longo da vida, não necessariamente diários, mas pelo menos com frequência semanal.
Além do tratamento e da reabilitação, quais são os cuidados que um paciente com câncer de cabeça e pescoço pode ter em relação à fonoaudiologia no dia a dia?
Elisabete Carrara de Angelis: O principal cuidado é seguir as orientações do fonoaudiólogo. Quando o paciente termina um tratamento, ele pode precisar de um gerenciamento ou de algum exercício com alguma frequência. Por isso é importante seguir recomendações específicas.
Para a comunicação é sempre importante beber muita água, deixar o corpo e a respiração da forma mais relaxada possível, articular bem os sons da fala e tentar não se comunicar em ambientes com muitos ruídos para evitar competição vocal. Do ponto de vista de alimentação, é bom seguir à risca as orientações do fonoaudiólogo, porque isso previne pneumonias aspirativas devido à entrada de alimentos nas vias aéreas, como em casos de pacientes que ficaram com alguma limitação para se alimentar. E buscar sempre retornos periódicos com o fonoaudiólogo para acompanhamento.
Fonte:
Dra. Elisabete Carrara de Angelis
Head de fonoaudiologia no A.C.Camargo Cancer Center; especializada e mestre em Distúrbios da Comunicação Humana e doutora em Neurociências